do verbo FOR

"Quis o irônico destino, uns anos mais tarde, que eu fosse professor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia e
me designassem para a banca de português, com prova oral e tudo.
Eu tinha fama de professor carrasco, que até hoje considero injustíssima, e ficava muito
incomodado com aqueles rapazes e moças pálidos e trêmulos diante de mim.
Uma bela vez, chegou um sem o menor sinal de nervosismo, muito elegante, paletó, gravata e abotoaduras vistosas.
A prova oral era bestíssima. Mandava-se o candidato ler umas dez linhas em voz alta (sim, porque alguns não sabiam ler) e depois
se perguntava o que queria dizer uma palavra trivial ou outra, qual era o plural de outra e assim por diante.
Esse mal sabia ler, mas não perdia a pose.
Não acertou a responder nada. Então, eu, carrasco fictício, peguei no texto uma frase em que a palavra "for"
tanto podia ser do verbo "ser" quanto do verbo "ir".
Pronto, pensei. Se ele distinguir qual é o verbo, considero-o um gênio, dou quatro, ele passa e seja o que Deus quiser.
— Esse "for" aí, que verbo é esse?Ele considerou a frase longamente, como se eu
estivesse pedindo que resolvesse a quadratura do círculo, depois ajeitou as abotoaduras e me encarou sorridente.
— Verbo for.
— Verbo o quê?
— Verbo for.
— Conjugue aí o presente do indicativo desse verbo.
— Eu fonho, tu fões, ele fõe - recitou ele, impávido.
— Nós fomos, vós fondes, eles fõem.
Não, dessa vez ele não passou. Mas, se perseverou, deve ter acabado passando
e hoje há de estar num posto qualquer do Ministério da Administração ou na equipe econômica,
ou ainda aposentado como marajá, ou as três coisas.
Vestibular, no meu tempo, era muito mais divertido do que hoje e, nos dias que correm,
devidamente diplomado, ele deve estar fondo para quebrar.
Fões tu?
Com quase toda a certeza, não.
Eu tampouco fonho.
Mas ele fõe".

JOÃO UBALDO RIBEIRO 

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