diferenças...


Portanto, “vigiai e orai para não cairdes em tentação”. Vigiai: procurando afastar as ocasiões de pecado, sem dar ouvidos às bravatas fanfarronas de uma autoconfiança orgulhosa; saindo rapidamente do terreno resvaladiço das pequenas fraquezas consentidas; apagando o fogo das paixões ruins quando está no início e pode ser facilmente debelado… E orai: mantendo um diálogo ininterrupto com o Senhor, que nos permita enxergar tudo com os olhos da fé, e garanta uma constante identificação da nossa vontade com a de Deus, enxertando a nossa fragilidade na sua fortaleza.
A principal diferença entre as histórias de Judas e de Pedro está no seu desfecho. Os dois traíram, ambos se afastaram de Jesus. Mas Pedro terminou bem: reassumiu a sua condição de Apóstolo e chegou a ser a Rocha firme de que Deus necessitava para a sua Igreja. Ao passo que Judas terminou mal, num horrível suicídio. Por que essa diferença?
Porque, chegado o momento em que perceberam o próprio erro – esse momento sempre chega, por graça de Deus –, Judas ficou apenas no remorso, na humilhação que a tomada de consciência do pecado produz, e, por isso, desesperou; e Pedro, pelo contrário, foi além: chegou ao arrependimento, e o arrependimento o curou.
Que diferença entre o remorso humilhado e o arrependimento, a contrição! A humilhação do remorso consiste na decepção que sofremos a respeito de nós mesmos. A contrição é a dor – dor de amor – que sentimos por ter ofendido a Deus. A primeira encerra-nos no nosso eu, a segunda abre-nos para o Outro. Por isso, o simples remorso produz intranquilidade, tristeza, desespero e ruína; ao passo que o arrependimento leva à paz, à alegria, à esperança e à luta por mudar. O arrependimento cura e vivifica!
Resta apenas indagar por que Pedro se arrependeu e Judas não. Sem dúvida, o fato de Judas já estar totalmente corrompido no momento da queda e de Pedro ter continuado reto até o fim, contribuiu em boa medida. O caminho de volta era muito mais curto para o pescador do mar da Galileia. Mas foi outro o fator preponderante.
Mal terminaram as negações do Apóstolo, Jesus, que tinha estado na sala de audiências do Sumo-sacerdote, foi conduzido ao pátio onde ele se encontrava, e então, escreve São Lucas, o Senhor voltou-se e olhou para Pedro… (Lc 22, 61)
Aquele olhar durou apenas um instante, porque Jesus foi imediatamente arrastado pelos soldados, mas bastou para mudar completamente o coração do negador transtornado. Era um olhar carinhoso de censura serena, sem mágoa, de tristeza compassiva, que oferecia o seu perdão. Representou para o miserável Simão o encontro decisivo com os abismos infinitos da misericórdia divina. Simão arrependeu-se porque se deixou penetrar por aquele olhar do Bom Pastor que procurava pela sua ovelha.
No momento da queda, Pedro esquecera-se completamente de Jesus, mas Jesus não se esquecera dele. Nunca se esquece do pecador. De algum modo misterioso, o seu olhar deve ter procurado também por Judas, no mesmo momento da traição. E até o próprio Judas se teria arrependido se não se tivesse encerrado na carapaça do seu orgulho.
Todos podem trair. Se for verdade que há no coração do homem uma natural inclinação para o bem, também é verdade que o pecado original e os pecados pessoais produzem uma inegável inclinação para o mal.
Somos capazes “de todos los horrores y todos los errores”, como sublinhava Mons. Escrivá. Mas, se tivermos uma atitude de honrada sinceridade para com Deus e de humildade para evitar a presunção, é muito mais difícil que cheguemos às grandes traições. Podem-se evitar tanto o endurecimento do coração como as quedas repentinas por fraqueza. E, mesmo que falhemos, sempre resta o recurso infalível à misericórdia de Deus. Aliás, a vida cristã consiste precisamente num contínuo começar e recomeçar, fazendo de cada vez que se cai um ato de contrição como Pedro, que chorou amargamente. O grande perigo não está em cair, mas em não tornar a levantar-se.



Fonte: Judas Iscariotes, Otto Hophan. Editora Quadrante, 1a Edição, 1996.


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