Filosofia
A filosofia é em sua essência
revolta, uma vez que ela é pensamento crítico e radical sobre a realidade. Seu
objetivo é desfazer os nós dos problemas. A filosofia procura tornar claro
aquilo que é obscuro. Ela é um discurso reflexivo sobre a realidade, e sobre
toda forma de crença e misticismo. Ela busca a clareza para lançar luz sobre a
penumbra. Por este motivo, não há filosofia sem revolta. A revolta surge quando
tudo se torna claro, quando por um ato de intuição nós chegamos à verdade.
Quando nos damos conta da mentira e da ilusão nos revoltamos. É a clareza da
verdade que nos perturba. Os gregos entendiam a verdade como “Alethéia”, ou
seja, como aquilo que se desvela, aquilo que se descobre. Não há revolta sem
esclarecimento, não há revolta sem verdade. O objetivo da filosofia, portanto,
é levar os indivíduos à revolta, à verdade. A revolta nos torna humanos,
nos liberta da experiência alienante em que vivemos. “E conhecereis a Verdade,
e a Verdade vos libertará” (João 8:32). A revolta nos faz pensar sobre
nossas circunstâncias. Ortega Y Gasset já dizia que o homem rende o máximo de
sua capacidade quando adquire consciência de suas circunstâncias. É por meio
das circunstâncias que o homem se comunica com o universo. Foi isso que fizeram
os gregos quando começaram a filosofar. Quando os pré-socráticos
deram a primeira demonstração lógica e materialista para os fenômenos da
natureza, isso significou o primeiro ato de revolta na história do pensamento.
Eles deram uma explicação racional e sistemática do universo, se revoltaram
contra suas circunstancias, contra as ilusões e os preceitos de sua época. Foi
a partir daí que o mundo começou a ser desencantado. Quando Sócrates aceitou
passivamente sua condenação à morte, por ter colocado idéias subversivas na cabeça
dos jovens, isso foi um grande ato de coragem e de grande revolta, uma vez que
mostrava aos seus acusadores que eles não estavam seguindo a ordem justa
da pólis (cidade). Quando Giordano Bruno aceitou passivamente ser
queimado vivo por conceber um mundo infinito, isso também foi um grande ato de
coragem e de grande revolta, uma vez que mostrou aos algozes de sua época que
num universo infinito o homem não é um ser privilegiado na ordem do mundo.
Quando pensamos a filosofia como um ato de revolta, lembramos-nos de
imediato de um texto de Deleuze, em “Nietzsche e a Filosofia”. Segundo Deleuze,
“quando alguém pergunta para que serve a filosofia, a resposta deve ser
agressiva, visto que a pergunta pretende-se irônica e mordaz. A filosofia não
serve nem ao Estado, nem à Igreja, que têm outras preocupações. Não serve a
nenhum poder estabelecido. A filosofia serve para entristecer. Uma filosofia
que não entristece a ninguém e não contraria ninguém, não é uma filosofia. A
filosofia serve para prejudicar a tolice, faz da tolice algo de vergonhoso. Não
tem outra serventia a não ser a seguinte: denunciar a baixeza do pensamento sob
todas as suas formas. Existe alguma disciplina, além da filosofia, que se
proponha a criticar todas as mistificações, quaisquer que sejam sua fonte e seu
objetivo? Denunciar todas as ficções sem as quais as forças reativas não
prevaleceriam. Denunciar, na mistificação, essa mistura de baixeza e tolice que
forma tão bem a espantosa cumplicidade das vítimas e dos algozes. Fazer, enfim,
do pensamento algo agressivo, ativo, afirmativo. Fazer homens livres, isto é,
homens que não confundam os fins da cultura com o proveito do Estado, da moral,
da religião. Vencer o negativo e seus altos prestígios. Quem tem interesse em
tudo isso a não ser a filosofia? A filosofia como crítica mostra-nos o mais
positivo de si mesma: obra de desmistificação. (…) A tolice e a bizarria, por
maiores que sejam, seriam ainda maiores se não subsistisse um pouco de
filosofia para impedi-las, em cada época, de ir tão longe quanto desejariam,
para proibi-las, mesmo que seja por ouvir dizer, de serem tão tolas e tão
baixas quanto cada uma delas desejaria. ( Deleuze, 1976, p. 87). A
filosofia como pensamento reflexivo é, portanto, libertadora. Ela não se
submete a nenhuma forma de poder, seja religioso, político ou ideológico. A
razão é a faculdade que julga, analisa, discerne e compara, nesse sentido, sua
característica fundamental é o livre pensar. É somente através da reflexão que
o homem pode sair de sua “menoridade”, alcançando autonomia e liberdade para
guiar sua vida. É somente através da reflexão que a humanidade poderá um dia
reivindicar um mundo mais justo e feliz.
Bibliografia
Deleuze,
Gilles. Nietzsche e a filosofia, Ed. Rio, Rio de Janeiro, 1976.
Ortega
Y Gasset, J. Meditações do Quixote. São Paulo: Iberoamericana, 1967.