Tem que ser
Ah, como a gente tem que ser humilde para amar!
Como a
gente tem que acolher as dúvidas, as incertezas que nos transpassam e aceitar
que nossas verdades, vez ou outra vão levar rasteiras, vão ir por água abaixo.
Para amar,
ah! Como a gente tem que, tantas vezes, deixar o orgulho ser desmoronado –
tijolinho por tijolinho – e ficarmos crus e desapegados do que era a nossa mais
íntima proteção. Esse orgulho que a gente confundia com amor próprio. Mas era
só medo de sofrer demais e de novo.
Porque se a
gente, por vezes, não deixar o orgulho de lado, não há espaço para os perdões e
os renascimentos. E parece que o amor é planta em constante transformação, se a
gente se apega à semente, a gente nunca verá a árvore. Se a gente não se deixa
desestruturar, se a gente não cede, até ao que é grande e certo dentro da
gente, a gente não dança com a energia do amor.
Ah, como a
gente tem que passar dos nossos limites tão minuciosamente estabelecidos, dizer
não, sair de perto, ficar só por um longo tempo, meditar, encarar nossas sombras
e voltarmos para o mundo mais sereno, menos vitimado e vaidoso.
Porque duas
máscaras podem se beijar perfeitamente por algum tempo, mas duas almas nuas
precisam sempre de coragem para evoluir. E nem sempre estamos dispostos a isso.
Evoluir cansa. Mas o amor precisa disso.
E mesmo com
tantos beijos e rasteiras, com tantos desencontros, reencontros, nascimentos e
mortes... A gente precisa ter a doçura da maturidade para manter o coração
sempre aberto para mais. Porque assim é a vida.
Às vezes
tudo se rompe. Às vezes tudo se fortalece. Mas, em
qualquer história que seja o amor me parece ser o contrário de qualquer jogo de
cartas marcadas e de passos bem dados.
O amor
parece ser algo como a natureza: caótico, um sem sentido, mas com tanto
sentido!
O amor parece estar neste mundo há muito mais tempo do que nós
homo racionales sapiens.
As árvores
nos ensinam a amar. Um lagarto estirado no quintal nos ensina a amar. A chuva,
que cai com cheiro de terra úmida trazendo cores de outros rios, nos ensina
sobre amar. Sobre a inconstância das nuvens, sobre a flexibilidade das almas.
Sobre as surpresas inesperadas e as transformações constantes...
Sobre o
desencanto das aparências para o reconhecimento de uma essência comum.
Ah! Como a
gente tem que ser humilde para receber o amor.
Perceber
que de nada temos controle. Mas podemos ter muita vontade de amar, de crescer,
de viver, de respirar profundamente as nossas possibilidades de sentir.
A gente
pode pegar uma caneta e tentar escrever a própria história, mas que as janelas
e portas fiquem abertas para que a gente não se esqueça da força das marés e
dos ventos e das surpresas e mistérios que nos invadem.
Muito mais que amar alguém ou algo, é amar a vida, e a vida é
isso....