Somente pela Fé
A
justificação é a resposta de Deus à mais importante de todas as questões
humanas: Como uma pessoa pode se tornar aceitável diante de Deus? A resposta
está clara no Novo Testamento, especialmente nos escritos de Paulo, como a
passagem clássica de Romanos 3.21-25. Biblicamente, a justificação é um
conceito jurídico ou forense, e tem o significado de “declarar justo”. É o ato
de Deus mediante o qual ele, em sua graça, declara justo o pecador, isentando-o
de qualquer condenação.
Infelizmente, a palavra portuguesa “justificação”,
originária do latim, dá a ideia de “tornar justo”, no sentido de produzir
justiça no justificado. Mas o termo grego original dikaiosyne não se refere a
uma mudança intrínseca no indivíduo, e sim a uma declaração feita por Deus.
Visto que não temos justiça própria e somos culpados diante de Deus, ele nos
declara justos com base na expiação de nossos pecados por Cristo e na sua
justiça imputada a nós.
Pode-se
dizer que a justificação está estreitamente relacionada com três princípios da
Reforma: “sola gratia”, “sola fides” e “solo Christo”.
Daí, James Montgomery
Boyce a define como “um ato de Deus pelo qual ele declara os pecadores justos
somente pela graça, somente por meio da fé, somente por causa de Cristo”.
Assim, a fonte da justificação é a graça de Deus, o fundamento da justificação
é a obra de Cristo e o meio da justificação é a fé. A fé é o canal através do
qual a justificação é concedida ao pecador que crê; é o meio pelo qual ele toma
posse das bênçãos obtidas por Cristo (como a paz com Deus, Rm 5.1). Ela não é
uma boa obra, mas um dom de Deus, como Paulo ensina em Efésios 2.8-9. É o único
meio de receber o que Deus fez por nós (“sola fides”), ficando excluídos todos
os outros atos ou obras.
Isto
significa que a justiça do cristão é somente uma justiça imputada, atribuída a
ele, sem incluir uma transformação moral e espiritual? Não, a justificação é
seguida de uma justiça real e efetiva – tão de perto que, se não seguir, a
pessoa não está justificada. Mas a justificação em si ainda não se refere a
essa mudança. Deus nunca nos torna justos antes de nos declarar justos. Estando
justificados pela graça e reconciliados com Deus mediante a fé, com base
somente nos méritos de Cristo, estamos capacitados para crescer em santificação
(Ef 2.10). Em suma, Deus não somente nos declara justos (justificação), mas
posteriormente nos torna justos (santificação).
Tristemente,
muitos evangélicos têm deixado de confessar de modo convicto essa verdade que
está no coração do evangelho. Muitos líderes e movimentos têm voltado a
insistir na prática de certas ações ou na exibição de determinadas virtudes
como condição para que as pessoas sejam aceitas, perdoadas e abençoadas por
Deus. Volta-se, assim, ao sistema de salvação pelas obras ou pelos méritos
humanos contra o qual se insurgiram os reformadores. Com isso exalta-se o ser
humano, suas escolhas, decisões e iniciativas, e se desvaloriza a Deus, sua
graça, sua soberania, sua obra de expiação por meio de Cristo. Que tenhamos a
coragem e a coerência bíblica de reafirmar a verdade solene da justificação
pela fé somente, que é, no dizer dos reformadores, o articulus stantis et cadentis ecclesiae, “o artigo pelo qual a igreja se sustenta ou cai”.
Shalom