Um dia as pessoas morrem na gente
É isto, nada além: um
dia as pessoas morrem na gente. Pode ser um amigo que parece não se importar
mais ou então aquele que telefona só quando quer ajuda, um amor que gastou
todas as chances que tinha e nem toda dedicação do mundo o comoveu, um primo de
longe, qualquer um. Pode ser a criança que um dia morou dentro da gente, o
sujeito que viajou pra longe sem dar adeus ou dizer
que ia ou o visitante que chegou e nem ao menos um oi. Um dia as pessoas morrem
na gente. Pode ser um dia qualquer, como hoje ou ontem ou a terça passada, um
dia de agosto ou no meio do carnaval, um dia de formatura ou até no ano novo,
um dia de vento sul ou calor dos infernos, de vestido curto ou jeans surrado,
de boca nervosa ou falta de apetite, de cabelo desgrenhado ou os cachos no
lugar. Um dia as pessoas simplesmente morrem na gente, e a gente esquece as
tardes divertidas que passou no boteco, a esperança que alimenta quando ainda
não viveu muito, a promessa de nunca esquecer; a gente esquece que um dia quis
ficar junto pra sempre, que jurou um monte de coisas.
A gente faz força pra esquecer, porque sabe que precisa. É isto, nada
além: um dia as pessoas morrem na gente, embora continuem vivinhas da
silva.